Max Weber: A ética protestante e o espírito do capitalismo
A Ética protestante e o “espírito” do capitalismo é uma das obras fundadoras da sociologia moderna, e o trabalho mais conhecido de Max Weber (1864-1920). Weber cria um “tipo ideal” de capitalismo, assim como cria “tipos ideais” de indivíduo, sociedade, etc. Este clássico da literatura sociológica é a tentativa de uma resposta à pergunta de Weber do por quê os protestantes eram mais hábeis no comércio que os católicos. Ao explicar que o capitalismo é um produto religioso, ele faz uma importante historização das religiões protestantes, explicando como estas se originaram, seus dogmas, e sua contribuição para o capitalismo.
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Weber (1987, p. 02) definiu o capitalismo, de uma forma geral, como “uma ação econômica capitalista (…) que se baseia na expectativa de lucro através da utilização das oportunidades de troca”. E a organização moderna do trabalho só foi possível porque se estruturou no trabalho livre.
2. O “Espírito” do capitalismo.
A questão das forças motivadoras da expansão do capitalismo moderno não é, em primeira instância, uma questão de origem das somas de capital disponíveis para uso capitalístico, mas, principalmente, do desenvolvimento do espírito do capitalismo. Onde ele aparece e é capaz de se desenvolver, ele produz seu próprio capital e seu suprimento monetário como meios para seus fins, e não o inverso (WEBER, 1987, p. 44-45).
A relação atual entre o “espírito” do capitalismo e a religião é diferente da relação original. As pessoas que hoje estão dominadas pelo “espírito” do capitalismo são indiferentes e não hostis com a igreja. Os homens modernos existem em razão do seu negócio, e não mais em razão da religião, de Deus. O “espírito” do capitalismo, de origem religiosa, perde posteriormente seu conteúdo religioso. (...)
3. A concepção de vocação de Lutero; Tarefa da investigação.
“Vocação” é uma expressão contemporânea. É uma palavra de conotação religiosa, mas com sentindo diferente do texto original da bíblia. A “vocação” é uma valorização do trabalho cotidiano, do cumprimento do dever. Este termo começou a ser manifestado na era helenística. É neste conceito que está todo o dogma do protestantismo, pois o único modo de vida aceitável para Deus é o cumprimento das tarefas, imposta pela sua posição no mundo. Este conceito de vocação permaneceu de forma tradicional. O trabalho vocacional é uma tarefa ordenada por Deus na qual cada indivíduo deve adaptar-se a ela. II – A ética vocacional do protestantismo ascético.
4. Fundamentos religiosos do ascetismo laico.
Neste tópico serão investigados quatro principais representantes religiosos do ascetismo laico: o calvinismo, o pietismo, o metodismo e as seitas que se originaram do movimento batista.
O calvinismo. O calvinismo foi uma religião principalmente de países capitalisticamente desenvolvidos, como Inglaterra, França e Países Baixos. Seu dogma mais característico era a doutrina da predestinação, e este foi encarado e combatido como sendo um grande elemento de perigo político. Um exemplo de predestinação é que alguns homens estão predestinados à vida eterna, e outros não. Para Calvino, conforme surgiam mais polêmicas e controvérsias, a importância desse dogma aumentava. O interesse religioso do calvinista “não está no homem, mas somente em Deus. Deus não existe para os homens, mas estes por causa de Deus. E tudo o que acontece (…) só pode ter algum sentido como meio para a glória e a majestade de Deus” (WEBER, 1987, p. 71).
Para o homem que vivia na Reforma, a coisa mais importante era encontrar sua salvação eterna. Mas o caminho para encontrar sua salvação era solitário, pois nessa busca ninguém poderia ajudá-lo. “Nenhum sacerdote, pois o escolhido só por seu próprio coração podia entender a palavra de Deus” (WEBER, 1987, p. 72). A confissão também era um ato solitário. Não se deveria confiar e nem contar nada de comprometedor a ninguém, pois o único e verdadeiro confidente era Deus. No calvinismo, o mundo existia para glorificar a Deus e cumprir os seus mandamentos. Um dos mandamentos que deveriam ter prioridade para o crente era o “amor ao próximo”, mas com caráter objetivo e impessoal. Mas esse “amor ao próximo” deveria ser também um amor para si próprio, pois Deus só ajudava quem se ajudava. Assim, às vezes, o crente criava sua própria salvação, ou melhor, a convicção disso. O calvinista era um instrumento da vontade divina.
O Deus do calvinista requeria de seus fiéis, não apenas “boas obras” isoladas, mas uma santificação pelas obras, coordenada em um sistema unificado. Não havia lugar para ciclo essencialmente humano dos católicos, de: pecado, arrependimento, reparação, relaxamento, seguidos de novo pecado; nem havia balança de mérito algum para a vida como um todo, que pudesse ser ajustada por punições temporais ou pelos meios de graça da igreja. (WEBER, 1987, p. 81-82)
Se você estava na religião calvinista, não era à toa. Você era um escolhido de Deus. Todos calvinistas deveriam considerar-se o escolhido e combater as dúvidas e tentações do demônio, pois a falta de autoconfiança era falta de fé, portanto de graça imperfeita. De um modo geral, o calvinismo teve não só uma consistência quase única, mas também um efeito psicológico poderoso.
5. A ascese e o espírito do capitalismo.
Para fazer as discussões desse capítulo, Weber toma o protestantismo ascético como um todo. Uma discussão de ênfase, que é muito séria na religião protestante, é a riqueza. Ela é perigosa*, pois traz consigo o perigo do relaxamento. O “descanso eterno” deve ser deixado para o outro mundo. Na Terra, o homem tem que trabalhar o dia todo, até mesmo os ricos, para que possam cumprir sua destinação, aumentando assim sua glória em Deus. A perda de tempo é o principal de todos os pecados. Provoca conversas ociosas, luxo, além de sono desnecessário para a saúde. O trabalho é a finalidade da vida e o preventivo contra todas as tentações. Quem não tem vontade de trabalhar não tem estado de graça. O crente deve utilizar a sua vocação para atingir o lucro. Se Deus vos aponta um meio pelo qual legalmente obtiverdes mais do que por outro (sem perigo para a vossa alma ou para a de outro), e se o recusardes um dos fins da vossa vocação, e recusareis a ser o servo do Deus, aceitando suas dádivas e usando-as para Ele, quando Ele assim o quis. Deveis trabalhar para serdes ricos para Deus, e, evidentemente, não para a carne ou o pecado. (WEBER, 1987, p. 116). Então, a riqueza só era condenável se praticada com a intenção de construir a vadiagem.
Estas restrições à riqueza levaram o crente a investir o seu capital. A explicação religiosa da vocação foi de extrema importância para justificar as divisões do trabalho no capitalismo, pois estas divisões não poderiam ser injustas, visto que cada indivíduo desempenhava a função que Deus havia lhe destinado. O trabalho vocacional era um instrumento de ascese e, ao mesmo tempo, um meio seguro de preservar a fé. Essa é a mais poderosa expressão do “espírito” do capitalismo, segundo Weber.
Para Calvino, somente enquanto os operários e artesãos fossem pobres eles se manteriam fiéis a Deus, pois quando a riqueza aumenta, a religião diminui. Mas o capitalismo conseguiu desvencilhar-se do “espírito” religioso. Agora, o capitalismo está apoiado em uma base mecânica. Nos Estados Unidos, seu maior desenvolvimento atual do capitalismo, a procura da riqueza está ligada à paixões puramente mundanas, e não mais religiosas.
Francielle Maria Chies
Referência: WEBER, M. A ética protestante e o espírito do capitalismo. Trad. M. Irene de Q. F. Szmrecsányi e Tomás J. M. K. Szmrecsányi. 5. ed. São Paulo: Livraria Pioneira Editora, 1987.