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Excertos do texto: Religião Civil e Religião Secular: a religião como política e a política como religião, de Heiberle Hirsgberg

Para Catroga, a terminologia laico mostra-se presente no caso francês e em algumas “experiências históricas que ela influenciou” e não acha acolhimento nos países anglo-saxônicos. Catroga observa que os revolucionários franceses chegaram a postular a transcendência para sacralizarem o contrato social e, em um momento da Revolução que a Igreja tinha sido afastada, a mesma tentou uma contra-revolução que foi confrontada pelos Revolucionários que, conseqüentemente, efetuaram uma “espécie de contra-igreja perante a igreja católica, ou melhor, como um catolicismo sem cristianismo”. (Catroga, 2005, p.565).

E foi esta tensão que deu á luz a nova religião civil à francesa, a qual, como não podia deixar de ser, foi sendo dotada do seu Panteão, da sua martiriologia, da sua hagiografia, da sua liturgia (multiforme e ambígua), dos seus templos, das suas estátuas, frescos e nomes de rua, dos seus manuais escolares, dos seus mitos e ritos, tudo colocado ao serviço de uma prática educativa que se queria permanente. (Catroga, 2005, p.565).

Catroga nos indica que diferente dos Estados Unidos da América que implementou uma religiosidade cívica teísta, os franceses implementaram uma em que também faltaram o julgamento final, a imortalidade da alma e a invocação de deidades, atributos fundamentais de uma religião civil para Rousseau, além de recorrerem ao sentido “objetivo e progressista da história” e não à graça divina como os norte-americanos. No entanto, essa religião civil francesa também lançou mão de uma simbologia rito-mítica que objetivava levar “as consciências a interiorizarem, como imperativos ético-cívicos, os direitos e deveres”.  Assim sendo, buscou ela ainda o que toda religião civil em sua essência sempre buscará, “desatomizar os indivíduos”.

Para encerrar a rápida comparação dos dois casos supracitados de religião civil, podemos refletir sobre a afirmação do pesquisador Claude Rivière que indica que se “tal religião pode coexistir com sentimentos de uma experiência confessional ativa, ela pode também corresponder a uma transferência do religioso para o político numa sociedade fortemente secularizada, em busca de valores fundadores e de uma forma de legitimação sacra da autoridade” (Rivière, 1988, p.144).

Em Rivière vemos também que a noção de religião civil “supõe em cada povo a existência de uma dimensão religiosa através da qual ele interpreta sua experiência histórica à luz de princípios éticos que o transcendem”. (Rivière, 1988, p.143). Para ele a religião civil irrompe de um movimento onde há uma a religião que dá base e fundamento para o político, fornecendo “uma finalidade transcendente aos processos políticos”. Por fim, vale a pena mencionar o resumo excepcional feita por Fernando Catroga que diz:

Em síntese, ter-se-a de aceitar que todas as religiões civis assentam em mitos, símbolos e ritos, que põem em cena cosmogonias, antropogonias e cronologias que insinuam destinos de índole messiânica. Isto é, a partir de mitos fundacionais, todas anunciaram um ‘mundo novo’, um ‘tempo novo’ e um ‘homem novo’, e prognosticaram futuros que trarão a emancipação e a harmonia no interior da pátria e, por extensão, de toda a humanidade. Para isso, elegeram, como artífice desse papel, a nação específica que elas legitimam, e à qual uma instância (que a ultrapassa) lhes terá manifestado um destino, provenha ele do Deus-Providência, da natureza humana, dos ditames objetivamente inscritos na próxima história, ou, nas suas visões mais seculares e totalitárias, da função histórica de uma classe (stalinismo) de uma raça (nazismo).

(Heiberle Hirsgberg Horácio, Religião Civil e Religião Secular: a religião como política e a política como religião  XII Simpósio da ABHR, 31/05 – 03/06 de 2011, Juiz de Fora (MG), GT 03: Religião e política: o saber religioso da política e o saber político do religioso.)

 

Religião secular e/ou política e religiosidades seculares

Foi Raymond Aron um dos pioneiros a utilizar o conceito de Religião Secular para qualificar determinadas “doutrinas sociais e políticas” como religiosas. Embora tenha privilegiado o socialismo, Aron determinou como religiões seculares os movimentos políticos que estabeleciam os mesmos comportamentos que as religiões estabeleciam aos crentes, ou, ao comportamento que os indivíduos estabeleciam com as religiões. Diante disso, dizia o próprio Aron: “eu proponho chamar ‘religiões seculares’ as doutrinas que penetram nas almas dos nossos contemporâneos no lugar da fé evanescida e situam-se aqui, no remoto futuro, sob a forma de uma ordem social a criar a salvação da humanidade”. (ARON, 1985, p. 370)

Raymond Aron chamou as doutrinas sociais e políticas de religiosas pela devoção que os indivíduos desenvolvem à causa dessas doutrinas, na crença absoluta que esses indivíduos possuem nesta causa e na verdade dela, além das mesmas orientarem os valores, ou seja, elas “fixam o objetivo último, quase sagrado, em relação ao qual se definem o bem e o mal” (ARON, 1985, p. 370). Sem contar o fervor na conversão e a intransigência na crença que elas desenvolvem.

 

Enfim, nas suas estruturas mesmas, estas doutrinas reproduzem certos traços característicos dos dogmas antigos. Elas também dão uma interpretação global do mundo (pelo menos mundo histórico). Elas explicam os sentidos das catástrofes que atravessam a humanidade infeliz, elas deixam aperceber, distante, o resultado das trágicas provas. De agora elas asseguram, nas comunidade fraterna do partido, a antecipação da comunidade futura da humanidade salva. Elas exigem os sacrifícios que, no instante mesmo, são pagos: elas arrancam o individuo da solidão das multidões sem alma e da vida sem esperança. (ARON, 1985, p. 370)

 

A continuidade da sistematização do conceito de Religião Secular será desenvolvida, sobretudo por J.P. Sironneau, entre outros, na sua tentativa de demonstrar “a correlação entre a secularização e compensação pelas religiões políticas” (Riviere, 1988, p.17). Sironneau enfatiza a importância de se pensar o conceito cunhado por Aron na medida que, para Sironneau, o “que interessa, é de compreender o impacto que tem as vezes sobre as multidões ocidentais as diversas formas de socialismos ou de fascismos, e de refletir sobre o futuro das religiões seculares, sobre suas possibilidades ou não de satisfazer a vida espiritual da nossa sociedade”. (Sironneau, Religion séculière ou politique, p.206).

Assim sendo, Sironneau se debruça sobre as doutrinas que “substituem as religiões superiores” (Sironneau, Religion séculière ou politique, p.206). Ele considera que as religiões políticas sejam “equivalentes funcionais das grandes religiões” (Sironneau, 1985, p.271). Ou seja, para Sironneau os movimentos, como o Nazismo e o Comunismo, “são suportes de aspirações e comportamentos do tipo religioso”. Para exemplificação de tal posicionamento, podemos mencionar o próprio filósofo e o seu estudo do caso do Stalinismo, onde:

 

"Encontramos na experiência comunista, as 4 dimensões características de toda experiência religiosa, aquela do rito, aquela do mito, aquela da comunhão e aquela da fé. Do ponto de vista da exposição dos fatos, ela era difícil de separar, nos fenômenos stalinistas tomados como religião secular,a dimensão ritual da dimensão comunial, de uma parte porque o racionalismo marxista impedia um pleno desenvolvimento do ritual, de outra parte porque o ritual stalinista, centrado sobre o culto do chefe, tinha essencialmente por objetivo de reforçar a comunicação do povo e dos militantes do partido e seu chefe." (Sironneau, Le communisme lénino-stalinien, p.357.

(...)

Sobre a dependência absoluta com relação ao poder, para o filósofo, as relações do poder e sua absolutização, levam a uma sacralização do mesmo, e se dão com mais intensidade nos Estados Modernos. Pelo fato desses Estados manterem o monopólio da violência legítima e terem ampliado a extensão das funções estatais[ii], além do aparecimento do Estado-Nação, o surgimento da sociedade de massas e a personalização do poder[iii].

Para Sironneau a absolutização do político possibilitou uma transferência para esta esfera de comportamentos e aspirações que faziam parte da esfera religiosa, como cerimônias, “comportamentos rituais”, representações míticas e efervescência da fé. Segundo ele, tais traços nos permitiriam observar uma estrutura mítico-sócio política, presente em toda religião secular, como o Nazismo e o Comunismo onde,

 

"por exemplo, inúmeros mitos, em diversos contextos culturais, apresentam uma estrutura milenarista: no inicio existiu um estado perfeito do homem e da sociedade (éden primitivo, idade do ouro, pureza original). Depois aconteceu a queda ( num estado de derrelição,  dejeção, pecado, alienação, escravidão). Mas tal estado não é definitivo, acontecerá uma ruptura brutal (pelo advento de um deus, de um ancestral, de um messias) e, pela insurreição e revolução (luta violenta), o estado de dejeção chegará a seu termo, instaurando-se um novo estado próximo e afim à pureza original (o reino do milênio, ou a terra sem mal, ou a terra prometida)." (Sironneau, 1985, p.263).

 

(Heiberle Hirsgberg Horácio, Religião Civil e Religião Secular: a religião como política e a política como religião  XII Simpósio da ABHR, 31/05 – 03/06 de 2011, Juiz de Fora (MG), GT 03: Religião e política: o saber religioso da política e o saber político do religioso.)

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